Frio



Fazia silêncio na praia, fazia silêncio espesso. Era tudo suave carinho do mar e sobre a areia branca deitava, sorrindo, o corpo sujo do marinheiro morto. Estranha cena aquela, o homem imundo e cinzento, sorrindo com os olhos refletidos no céu azul incólume. E sobre a cabeceira do cadáver uma cruz tosca de madeira olhando para baixo. Parecia, em verdade, que Bartolomeu Gota sentia o vento cálido de uma bênção. Fosse da praia, fosse da cruz.
Aos poucos, tímido, chega o guarani, o arco na mão esquerda. Parou na frente da cruz, olhando o corpo, e achou muito esquisito o sorriso. Desconfiou. E então, ainda devagar, foi embora, sem virar as costas.
Foi só vários minutos depois, lentas, em harmonia com a calma das ondas pequenas da praia, que vieram as formigas. Em fila, ordenadas, certas, vieram as formigas. Infinitas formigas pretas ergueram, aos poucos, o corpo de Bartolomeu Gota e começaram a levá-lo praia acima, ordenadas. Certas. Irresistivelmente arrastando Bartolomeu Gota para o esquecimento de seu destino na Terra Brasilis. Até sumirem definitivamente no escuro da floresta.

Fazia silêncio na praia.
E sob o sol desimpedido, tudo fazia frio.
Um busto lindo apareceu na praia. E o que ela cantava
com os olhos
encolhia, congelava
a areia, o sol, o ar.
Rolava pra trás o rio.




Simultâneo


Teresa Inês Pedra, à beira do Tejo, sentiu por dentro um aperto, como algo novo que lhe tivesse nascido nas entranhas, repentinamente. E o mar que se desvelava à sua frente, sabe Deus por qual motivo, parecia-lhe extremamente ordinário. Nasci de novo, e o mar nem para se aperceber, o convencido. Isso falou, de si para si, mas sem nem ao menos desconfiar de que o dizia.


Bartolomeu Gota ia ajoelhado sobre a areia, a olhar o mar do novo mundo e a sentir o cheiro do Tejo quando o peito subitamente lhe doeu. Quem és tu, saudade, que és mais viva que a verdade? Isso falou de si para si, mas sem nem ao menos desconfiar de que morria.


Pajé tinha falado que mar tinha cuspido demonho pra cima de nóisi, tinha sim. Pajé cuspiu fumaça e praguejou. Aí o guerreiro bravo, vermelho de urucum e de corage, pegou arco, pegou frecha, frecha ponta de veneno, pegou beijo de iracema e partiu na mata verde mais quietinho que lagarta pra matar anhanga, anhanga mão peluda cara branca. Pajé gritou que ÚH! e tribo gritou ÊH! e todo mundo se dançava...


A cinco mil setecentos e vinte quilômetros da praia onde Bartolomeu Gota fazia pouco estava ajoelhado, o Rei Ebo Lubango dizia, na língua real de sua tribo, que nenhum ser que chegou um dia a pisar sobre o novo ou sobre o velho mundo lhe haveria de arrancar da garganta, uma resposta a um soldado que lhe levara a julgamento um cativo encontrado nos arredores da aldeia

O solo de minha terra,
beijado por mar e céu,
não há de provar o sangue
de quem nunca lhe ofendeu.

E três passarinhos faziam coro.


Pausa


Párem, teses!

Congelo aqui a história mal contada e pouco lida do destino e passado de minha terra para fazer um muito sincero agradecimento. Acontece que recebi um selo da letícia, gente que, se você não conhece, clique no linque ao lado escrito abrace o mundo, páre de perder tempo lendo amenidades sem rima e nem propósito e vá ter uma lição de vida. E, ao que parece, cada um que recebe o selo tem que passá-lo pra frente para mais sete blogues que julgar merecedores. Bom, uso esse blogue faz pouco tempo, e devo confessar que conheço pouquíssimos outros, e que leio regularmente menos ainda. Contudo, todavia, entre poucos que frequento, não menos que todos merecem o selo, e, por isso, apesar de repetir alguns com o presentinho, não há de ser por falta de opção de minha parte, mas por excesso de merecimento por parte dos respectivos autores.
Lá vão:

O primeiro é, de volta, o Abrace o Mundo.
Letícia escreve esses artigos, se não falta a memória, desde antes mesmo de entrar na ufes e começar o jornalismo, o que, se não for prova suficiente de que ela vai no caminho certo tendo nascido para ser jornalista, é, não menos, prova suficiente de que existe gente ainda por aqui, do nosso lado, capaz de mudar o mundo com um abraço. Tudo isso numa narrativa que, calculada e simples, é leve e verde como a autora.

O segundo é o Casaco verde, velho e surrado.
Darshany, jornalista como Letícia, escreve esse blog, pelo que me consta também há muito tempo, muito embora eu só tenha começado a ler há menos de um ano, creio eu. Desperdício de tempo. Devo ter passado pelo menos um ano sem conhecer a escrita sincera e viciante de Darshany que, seja inventando coisas inteiramente fictícias, como ela faz questão de marcar, seja contando histórias da própria vida, dá um ar de feriado nublado, mas sem chuva, daqueles que dão vontade de ficar sentado na varanda só sentindo o vento, a tudo que coloca em letras. Essa já deve ter recebido esse selo, que eu tenha visto, no mínimo umas duas vezes.

O terceiro é o Um blog se desmanchando.
Conheço Flora já faz uns dois anos, e ela sempre foi muito perturbada da cabeça, o que a faz uma pessoa bastante interessante de se conhecer, e igualmente interessante de se ler. Além disso, é capaz de arroubos poéticos que só podem ser chamados de jóias. O tipo de coisa que espanta pela originalidade e qualidade a ponto de se ter vontade de pedir, por favor, que ela deixe aquilo lá pra você ler depois mais vezes, e ter certeza de que é de verdade, mesmo. O blogue de Flora deve ter mais ou menos a mesma idade que o meu, deve ser pouco conhecido, e, muito embora o meu próprio blogue não seja lá um modo muito efetivo de se fazer propaganda em massa, peço encarecidamente, a um possível leitor que não o conheça, que clique no link ao lado dizendo "Um Blog Se Desmanchando".

O quarto é As aventuras de uma eterna criança.
Beatriz é uma das pessoas mais doces que se pode ter o prazer de conhecer, e de um lirismo tão singelo quanto o sorriso que ela vai dar para você assim que você lhe disser oi. Isso não é pouco. Se você conhece o sorriso, vai saber imediamente o quão recomendável é o blogue. Se não conhece o sorriso, clique ao lado em "As Aventuras de uma Eterna Criança", leia qualquer coisa que tiver pela frente, e vai saber quão infeliz você é, meu amigo, de nunca ter visto o sorriso. Se você conhece ambos sorriso e blogue, sabe o motivo do selo.

O quinto é Sincopado.
Há quem escreva com a alma, há quem escreva com o cérebro, e quem sou eu para julgar, mas tenho pra mim a impressão de que Rafael escreve com os dois. Passa a alma por um prisma cerebral que transforma emoção em um intrincado espelho fragmentado de racionalidade que vale a pena de ser lido, e vale o tempo que se demora dentro do labirinto.

O sexto é o Gota d'Água.
Vejam, eu também leio o Gota d'Água. Não com a frequência com que leio os outros cinco, mas este, coisa que já é extremamente conhecida, também é altamente recomendável. Aline escreve naturalmente: é um fato decorrente de ela mesma, como as gotas de sereno se juntam numa folha até pingarem, de manhã. E toda escrita fluente como essa é coisa que não se deve perder, mesmo que, o que não é o caso, não se goste do que está escrito. Só a fluidez já é suficiente para deixar os neurônios descansados. Ela não faz a mínima idéia da existência deste meu blogue, e peço a Darshany que lhe avise do selo, por favor. Não que vá fazer muita diferença, uma vez que o Gota d'Água já deve ter uns cinco deste.

E o sétimo é o Batata Quente.
Batata Quente, escrito em parceria por Darshany, Aline, Camila Belon e Flora, foi uma idéia brilhante de alguma das três primeiras, e que, junto com o talento das quatro, foi extremamente bem sucedida. Pelo que já falei sobre a Darshany, Aline e Flora, já vale a pena ler os textos inesperados do blogue. Além disso, Camila Bellon, cujo blogue solo também recebeu o selo da Letícia, é tão excelente quanto as já discutidas acima e, apesar de ter lido poucas coisas de sua autoria até hoje, todas me causaram ótima impressão; muito boas sim, senhoras e senhores.

E, assim, termino minha tarefa de designar o selo a sete blogues. Cada um deles já sabe o que deve fazer com seus respectivos selos. E, se não mandarem para sete pessoas, em cinco minutos, Armeleen, que morreu enforcada em arame farpado, teve seus cabelos pastados por um boi e perdeu os braços, os olhos e as pernas num buraco em que caiu aparecerá à meia noite no seu quarto. E vai ser muito desagradável você ter que carregar o fantasma da coitada menina tão debilitada até a porta de casa. Portanto, sigam meu conselho.
Muito obrigado a quem ler, e, Letícia, depois dessa você não me deve mais o suco.


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