Sergi


Caju Araçá Araçá Caju
Cajaraçá quecé
Carajáracaju

Tumbuca Timbira
Ijuca Ipiranga
Saci Curupira
Cunhã chupa manga
Cunhatã se vira e encontra o marido assustado, que é isso lhe pergunta, e os olhos arregalados do marido muito muito grandes balbuciam que o mar tinha mandado os guerreiros que vinham com os porretes matar tribo toda, quem é que tinha tido temível idéia nefasta de jogar cauim no chão? cauim não se joga no chão! se acalma desgraça de homem, é frouxo e não pode nem ver peixe, eu caí foi em desgraça casando homem tão fresco, resmugando ia a mulher mastigando beiju, e tiplá toma-lhe bofetão na cara! e cala a boca anhanga lhe vem do marido que sai da cabana chamando cacique Sergi, cacique Sergi! E a cunhatã piscosa continuou mastigando beiju, mas só que com dentinho de menos e sorrisinho de a máisi, né frouxo nada, é frouxo nada, bem.


Serena


No oco fundo da floresta, silêncio de igarapés, dormia tranquila e lesta, coroada de cipós, a rainha soberana, feiticeira, sinuosa, senhora dos igapós. E os cabelos muito negros boiavam silenciosos, acompanhando suaves o sereno respirar-se da serena calma, calma...
O índio tonto chegou perto, encantado e boquiaberto, quando viu a moça rara, pele nua, pele lua, ai tonto, se enamorara, e agora pisava, tímido, a margem de espelho d'água, tocando de leve os dedos nos dedos que se faziam por trás da lâmina clara.
Os olhos enevoados do índio estavam grudados no rosto impassível, diáfanos olhos, boca infalível, da imagem que se deitava, serena, se espreguiçava, e abria os dois diamantes.
Ou seriam esmeraldas? Ou seriam pedras d'água? Que eram aqueles poços tão frios, e tão amenos, tão frios e silenciosos, como o ar dos igapós? Senhora sentada, agora, os diamantes despertos, claros, límpidos, abertos, para o índio apareciam, parados, paralisados...
Para aquele índio fadado a ficar ali. Agora, devagar, mas num crescendo, a água qu'era antes lisa, se enrugava, estremecia, numa suave harmonia, encrespando, enlanguescendo, qual canto do uirapurú. Senhora nem respirava, seus lábios nem se mexiam, e a música, só, vibrava. Nos pulmões e nos ouvidos do índio desesperado. E num agudo espalmado do fundo escuro do rio, o canto bateu com força no coração, já sombrio, do índio tão sem fortuna. Senhora lançou-se ao fundo, tão rápido nem se via, um beijo frio da águas, tocando o índio nos pés, quebrou a paralisia. Mas o índio, condenado, se lançou, como enlaçado, pr'o fundo dos igapés.
Num canto de alarme louco, lá gritava a araraúna.


Missal


O frei levantava os braços para a sacra cruz, de madeira tosca, ou nem tanto, logo verão os portugueses, e, principalmente, os nativos, com quantos paus se fazem um império, e começava a entoar, em sacra voz, fraca voz por sob o pesado manto alvo, ou nem tanto, bem sabiam os portugueses e, de vista, os nativos, quanto podia contra a higiene os meses de uma caravela, branco manto, que sufocava os ares tão frescos e tão benfazejos daquele éden que lhes fora um porto tão seguro, amen.
Bartolomeu Gota, que pudera, louvado fosse o Senhor, ficar perto da cruz de tábuas, uma vez que ajudara, honra ainda maior, a fincar a dita cruz na areia branca da praia, a praia que emocionava, sabe-se lá por quê, o sujo Bartolomeu, quase tanto quanto a lua gigantesca que lhe deslumbrara três dias antes. Bartolomeu Gota, que ainda via na face de cada um dos nativos o rosto de Teresa Inês Pedra apesar de muito esfregar os olhos e muito esforçar os ouvidos a ouvirem o canto soluçado de frei Henrique, santo homem. Bartolomeu Gota, que seguia surdo a passarinhos, vozes, latim e Jesus Cristo, quando viu os gentios, acompanhando os portugueses, pondo-se de pé, erguendo as mãos aos céus, como em louvor, e quedando em silêncio mui pacífico. Ergueu os olhos para o atlântico e disse um miserere. E duas horas depois de terminada a cerimônia, depois de o último gentio seguir o último português que retornava aos batéis, continuava o sujo homem ajoelhado sob a cruz tosca de madeira, plenamente consciente das águas do Tejo, cheirosas de tijolo e terra, que batiam calmas à sua frente, na linha da rebentação.