Frio



Fazia silêncio na praia, fazia silêncio espesso. Era tudo suave carinho do mar e sobre a areia branca deitava, sorrindo, o corpo sujo do marinheiro morto. Estranha cena aquela, o homem imundo e cinzento, sorrindo com os olhos refletidos no céu azul incólume. E sobre a cabeceira do cadáver uma cruz tosca de madeira olhando para baixo. Parecia, em verdade, que Bartolomeu Gota sentia o vento cálido de uma bênção. Fosse da praia, fosse da cruz.
Aos poucos, tímido, chega o guarani, o arco na mão esquerda. Parou na frente da cruz, olhando o corpo, e achou muito esquisito o sorriso. Desconfiou. E então, ainda devagar, foi embora, sem virar as costas.
Foi só vários minutos depois, lentas, em harmonia com a calma das ondas pequenas da praia, que vieram as formigas. Em fila, ordenadas, certas, vieram as formigas. Infinitas formigas pretas ergueram, aos poucos, o corpo de Bartolomeu Gota e começaram a levá-lo praia acima, ordenadas. Certas. Irresistivelmente arrastando Bartolomeu Gota para o esquecimento de seu destino na Terra Brasilis. Até sumirem definitivamente no escuro da floresta.

Fazia silêncio na praia.
E sob o sol desimpedido, tudo fazia frio.
Um busto lindo apareceu na praia. E o que ela cantava
com os olhos
encolhia, congelava
a areia, o sol, o ar.
Rolava pra trás o rio.




5 comentários:

Rafael Abreu: disse...

Ah, Harry, eu só falo a mesma coisa: tá excelente.
E gostei das formigas: mensageiras e portadoras da morte de Bartolomeu.

Aline Dias disse...

� que voc� escreve num ritmo t�o bonito que parece cantado!

Darshany L. disse...

senti o frio aqui..

bia de barros disse...

Ai, ansiei tanto pelas sereias!
Adoro a magia dos teus textos.

saudoso abraço...
*:

Flora disse...

Nossa Harry,lembrei do novo filme do indiana jones.
Você bem que poderia escrever um novela ou um livro.
Adorei como de hábito
e obigada pelos comentários, são sempre tão ricos que eu quase acredito que escrevo bem.
beijitos