Do Padre Que Escrevia Ditos.




25 de fevereiro de 1950, praticamente um ano após a chegada da Companhia de Jesus ao litoral da terra já então chamada Brasil, ia sentada sobre um galho relativamente alto de um pé de caju uma figura de bata e barbas, a sacudir o cordame da vestimenta. A linha de término dos matos encontrava-se pouco atrás do cajueiro, de modo que os frutos maduros que caiam ao chão desamparados eram acolhidos fofamente pela areia branca já da praia. A figura sobre o galho vinha justamente observando um dos cajus caídos, impassível sob um caranguejinho amarelo que lhe arrancava as carnes lentamente, espumando pela boca pequenina e olhando para lugares indizíveis com os olhinhos tortos. Tão repentinamente que, não fosse pela calma da voz, o caranguejo certamente se teria disparado areia adentro em algum buraco, naquela época ainda podiam os caranguejos esconderem-se em buracos, de súbito, então, o padre disse algo semelhante ao palrear dos passarinhos miraculosos que muito por lá apareciam. E, fato mais assombroso ainda, uma outra voz, vinda não se sabe de onde, o respondeu, nos mesmos modos cantados de uma araraúna. O que a figura barbada dissera, posto no linguajar corrente, era mais ou menos como quê vês tu ali embaixo, à sombra de meus pés? e a resposta vinda, direi eu por ser narrador onisciente, garanto que se estivéssemos lá eu e você, nenhum de nós teríamos visto o índio deitado confortavelmente sobre um outro galho, de uma árvore um tanto mais recuada, a cinco metros de altura, foi, posto no linguajar corrente, algo como Akaîa Ibi engole tempo, tempo cria Akaîa Ibi. E, por mais alucinadas que pareceriam, à primeira vista, as misteriosas palavras do índio, o padre, chamemo-lo padre, assentiu com os olhos sérios. Sabia muito bem, e agradecia-o à sua notável facilidade para absorver as línguas, e à veia de antropólogo que, quem diria, lhe habitava o pescoço, que aquela gente contava os anos de acordo com o aparecimento dos cajus, o que, juntado ao rápido escanear de memória que lhe dissera ser akaîa o nome para útero, e ibi o nome para terra, revelaram maciças as palavras do gentio. Voltaram ao silêncio. Alguns minutos depois, indo-se embora o caranguejo amarelo, o padre ouviu um ruído quase imperceptível de aragem, e soube que estava sozinho. Desceu do cajueiro, pegou de um graveto caído ao chão e escreveu, e foi o primeiro a fazê-lo, se o que veio depois e tornou-se famoso não tirou a idéia deste de cá, não se sabe, mas que este de cá certamente não tirou a idéia daquele que veio a ficar famoso, garantimos, escreveu sobre a areia: Sabedoria do Povo Brasileiro, número um: O único senhor desta terra é o tempo, e a única dona deste tempo é esta terra. Olhou por uns instantes o escrito, e completou, por conta própria: Que tentem ter com eles os poderes do Homem, e muito boa sorte.



7 comentários:

Darshany L. disse...

andreeeeeeeeeeeeeeee
aiiiiii
uma vez eu tava voltando do inglês, no centro de línguas né, aí eu dei aquela volta onde os carros passam pra sair pelo portão ali onde tem ponto de ônibus. aí eu tava andando, e tava chovendo um pouco, de repente olhei pro lado e vi um caranguejo amarelo! não sei se é exatamente desse que você falou no seu texto lindo, mas era um enooorme, e ele tava andando no MEIO DA PISTA, e tipo, você sabe que os carros andam ali na ufes sem respeitar limite de velocidade algum né! aí eu pensei "caramba, esse caranguejinho vai morrer cara", mas eu não podia fazer nada! NADA! queria pelo menos ter filmado ou tirado uma foto, mas nem câmera eu tenho (nem no celular). até contei pra letícia sobre ele, fico me perguntando até hoje se ele viveu.

beijo ;*

Rafael Abreu: disse...

Ah, adorei as máximas no final. Pintou bem a imagem de um padre que, não sei por quê, imaginei bonachão!

Marcela disse...

Adoreeeeeeeeeeei!!!!!
Que testo incríveeel!!!
^^

Beeeeijos
;)

Flora disse...

Sabedoria do Povo Brasileiro, número um: O único senhor desta terra é o tempo, e a única dona deste tempo é esta terra. Olhou por uns instantes o escrito, e completou, por conta própria: Que tentem ter com eles os poderes do Homem, e muito boa sorte.

Meu Deus Harry, desfecho melhor não poderia ter. Não sei como você consegue escrever essas coisas, parece até que estava por lá.

bia de barros disse...

que triste a história da darsh...

nunca comi caju da árvore, nem sei se se come.
("aquela gente contava os anos de acordo com o aparecimento dos cajus...")
mas caranguejo já comi. só não lembro de ser amarelo.
droga.
a culinária devia ser bem mais interessante com os 'chefs' das tribos de 1500...
rapaz, falei só coisa nada a ver, mas é pq tou com fome.

» então: adorei a descrição - simples e rica, como se deve ser.
harry ensina a fazer texto descritivo ficar legal. não abandone seus alunos outra vez, por favor. x)

*;

L.S. Reis disse...

você é o máximo, Harry! \o/
(será que já te falei isso antes?) ^^

Eu sempre começo a ler os seus textos sem saber muito bem aonde a história vai chegar; e ela nunca, NUNCA, deixa a desejar! Sempre vale a pena.

Abração! E lembre-se: Passeio socrático... crático... :)

bia de barros disse...

COMO VC DESCOBRIU QUE ERA POCAHONTAS?

foi minha primeira fita de vídeo, juro que assisti centenas de vezes na minha infância e que sei todas as falas até hj, embora não me orgulhe exatamente disso...

Harry gosta da Pocahontas *-*
(implicância)
Se bem que isso explica mt sobre esse blog XD
*=
saudades dos teus escritos, moço...
Please, don't leave us \o/