Quatro Sonetos

I.
O que eu sei que possuo, fatalmente
ligada ao meu destino atordoado,
é a consciência amarga de m'ia gente,
do meu povo que pena, amontoado
por sobre morros lúgubres, latentes
de inesperada e palpitante vida
que se alimenta de cerrar de dentes
e tira riso da própria ferida.

Pois essa consciência tão amarga
- café com cianeto e água-forte,
aponta a impotência de m'ias mãos
ao mesmo tempo que, tenaz, alarga
as artérias fechadas da m'ia sorte
pulsando o sangue de um milhão de irmãos.

II.
O céu. Um pejado navio que bóia
Com trêmulo casco de chumbo volátil
Que freme e que oscila e navega e apóia
Seu peso na luz transparente de frágil

Eu piso seus pés como fossem de sombra
Você anda à frente de mim como guia
Seus pés são suaves tapetes de alfombra
E a luz transparente e aquosa do dia

As gotas não molham meus olhos de vidro
E a chuva não seca um soluço de pedra
O gosto da chuva são gotas de cidra

O ar entre cálido, o vento entra frio
E as gotas de água são pingos de pedra
Formando uma flor (e é você!) sobre o rio.

III.
O que eu amava em ti não era a efêmera
Presença dos teus dedos sobre os meus,
Quando eu descrente compreendia Deus,
Ou teu sorriso que incendiava a atmosfera.

O que eu amava em ti não tinha nome
Nem tinha medo da distância imensa
Nem restrição à ausência ou à presença
Da matéria, que o tempo, atroz, consome.

Há coisas que eternas porque puras
- O dia da tua intrínseca doçura
Pulsava mesmo se não vias nada.

Era a tua claridade de alvorada,
Era a tua redenção, pomba com ramo,
O que eu amava em ti, e ainda amo.

IV.
No céu escuro do perdão da noite
De sal a flutuar na atmosfera
Vejo-te surgir, e minh'alma dói-te
E tu, serena, mira-me e pondera

Tu te ergues lenta, como majestosa
Anunciando-me o que eu mesmo penso
E te demoras lânguida em suspenso
Esquiva e assim sincera e assim sinuosa

E sempre existe em mim u'a brisa fria
Na boca do mar, que se anuncia
Em meus cabelos que não lembram nada

Que são teus dedos, quando te desfraldas
Em meus cabelos, onde então tatuas
Tua luz gelada, prateada, lua.

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2 comentários:

bia de barros disse...

"É tão difícil as pessoas razoáveis se tornarem poetas quanto os poetas se tornarem pessoas razoáveis".
(Pablo Neruda, In: "Confesso que vivi")

e esse trecho tá no meu profile no orkut por engano. ele é total você.

bjs de luz, harry.
saudades imensas. *-*

naiara disse...

como você consegue?

e que métrica! =]