Poema Desencarnado Para Teresa Inês Pedra



O que foi feito, maria,
da minha alma antes viva,
dessa minh'alma ora fria?
Que fado foi esse, maria?

Que fato foi esse, instantâneo?
que me fez em vento assim, rápido?
Me vejo, maria, tão pálido,
efêmero e tão momentâneo

que me vem à boca a pergunta
(terei ora eu boca, maria,
eu, que não vejo meus pés?)
ou, mais que pergunta, um soluço

minh'alma, apagada, não vale
meu prórpio suspiro, maria,
e entanto eu não posso deixar
de lamentar essa morte

não minha, eu de mim
já não tenho esperança,
mas da possibilidade remota
de ti, maria, de sermos contíguos
de ser eu contigo

Imagina, maria, um momento,
que tu me amavas
e que este Tejo barrento
onde te banhastes

não era mais água tão turva,
mas as águas claras de areias
tão brancas das praias recurvas
onde meu corpo tombara

E quando me visses caído
e cinza, por certo que irias
cair sobre mim, soluçando
o mesmo soluço contido

de tão grande e tão doloroso
das mães que perderam maridos
e não há soluço mais débil
E repara, agora, um momento

como eu não mais movo mi'a mão
para lhe afagar os ouvidos
e como meus olhos não dizem
o tanto de dor que me morde

por eu não poder lhe dizer
o tanto de dor que me morde
o tanto de dor que me morde
e eu quieto

Aqui deste limbo tão cinza
onde ora me encontro
Será que eu sentia, maria,
teus lábios tremendo
por sobre meus lábios de concha?

Ou será que eu, morto, iria
sentir por teu pranto
não mais que quieta indiferença
esta indiferença tão cinza
onde ora me encontro?

Que se eu não sentisse este beijo, maria
se eu não sentisse a tua mão,
quisera eu morresse de novo, queria
perder-me no meio das matas

Mais triste que, em morte, tua falta,
é ter, sob os olhos, presença,
e ver-me despido, em descrença,
de toda a saudade, e de toda a dor

A coisa mais triste da morte
é o assassinato, maria,
o assassinato inclemente,
sem que tu nem saibas,
do nosso amor inexistente
(quem dirá te importes)



6 comentários:

Rafael Abreu: disse...

Ah, que aperto no coração!
Ficou lindo, Harry, como sempre!
O "contíguo" e "eu contigo" ficou muito legal!

bia de barros disse...

o ciúme que morde o peito é só
saudade do que um dia será pó
o fogo que é morto e cinza por ser fogo
que nunca foi, nunca será, se não tinha mesmo de ser...
hás de encontrar tua maria_ não a real, a maria que está em tua mente, aquela de que necessitas_ um dia
clamando em silêncio, ela espera por você.

^.~

bernard disse...

Não pude deixar de comentar o quão belo é o seu texto.

Darshany L. disse...

meu pseudônimo é maria

Flora disse...

Olha maria, eu bem que queria...
Oh Harry, acho que esse agora está na lista dos meus favoritos.
Estou de boca aberta. Você tem muita vocação pra poesia...
Sem palavras.
Beijitos

Unknown disse...

tá qui pariu!

mto lindo isso ai!
:D~~

senti uns 3 movimentos.
um do sentimento da morte literal.
outro que seria a morte de uma união.
e um outro que seria o pior:

o assassinato da esperança, o assassinato do desejo, o assassinato do ser.

Mas se ali você não mais vir ser humano. Poderá ter por fim, não aquele momento esvaido. Aquele momento sem espírito. Este seria o "pós-fim"... no fim, maria beijar-lhe-ia os lábios, acaso assim ela desejasse (pena que não quis!). E "eu" [lírico] sentiria. Um segundo antes de não poder mais mostrar as dores que lhe mordem. E talvez, quando não mais pode mostrar as dores que lhe mordem, ainda ali, sinta amor... por alguns segundos mais.

Característica casual da biologia. Que cede ao coração um segundo mais de vida, além do cérebro. Prato cheio pra poesia.

Seria Deus!
Talvez.

Sei lah.

mto bonito!