Missal


O frei levantava os braços para a sacra cruz, de madeira tosca, ou nem tanto, logo verão os portugueses, e, principalmente, os nativos, com quantos paus se fazem um império, e começava a entoar, em sacra voz, fraca voz por sob o pesado manto alvo, ou nem tanto, bem sabiam os portugueses e, de vista, os nativos, quanto podia contra a higiene os meses de uma caravela, branco manto, que sufocava os ares tão frescos e tão benfazejos daquele éden que lhes fora um porto tão seguro, amen.
Bartolomeu Gota, que pudera, louvado fosse o Senhor, ficar perto da cruz de tábuas, uma vez que ajudara, honra ainda maior, a fincar a dita cruz na areia branca da praia, a praia que emocionava, sabe-se lá por quê, o sujo Bartolomeu, quase tanto quanto a lua gigantesca que lhe deslumbrara três dias antes. Bartolomeu Gota, que ainda via na face de cada um dos nativos o rosto de Teresa Inês Pedra apesar de muito esfregar os olhos e muito esforçar os ouvidos a ouvirem o canto soluçado de frei Henrique, santo homem. Bartolomeu Gota, que seguia surdo a passarinhos, vozes, latim e Jesus Cristo, quando viu os gentios, acompanhando os portugueses, pondo-se de pé, erguendo as mãos aos céus, como em louvor, e quedando em silêncio mui pacífico. Ergueu os olhos para o atlântico e disse um miserere. E duas horas depois de terminada a cerimônia, depois de o último gentio seguir o último português que retornava aos batéis, continuava o sujo homem ajoelhado sob a cruz tosca de madeira, plenamente consciente das águas do Tejo, cheirosas de tijolo e terra, que batiam calmas à sua frente, na linha da rebentação.


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