II




Qual o seu nome? perguntou João Almirante, e responderam: Vento. Não havia ninguém depois da curva. Seguira até ali, desde seu quarto no alto do farol, até a curva do rio que desaguava um pouco antes de começada a península, seguindo uma voz que cantava uma melodia simples, que qualquer um que morasse perto de um rio reconheceria como canção de lavadeiras, mas que João Almirante tomou por canto lírico.
Não havia ninguém depois da curva, e ninguém cantava mais. Agora dei pra ouvir sereias, disse baixo João Almirante, e voltou andando. No dia seguinte perguntaria ao rapaz que entregava os mantimentos se sabia algo sobre seu antecessor na guarda do farol, e, quando disse que não, perguntou sobre sereias. O rapaz olhou divertido, e disse que eram bonitas, sim, senhor, e que sempre estiveram por ali, mas agora só cantavam por dinheiro, já que alegavam que toda a vila as achava mentirosas. Por que mentirosas? perguntou Almirante. Ninguém acredita mais nelas, respondeu o menino, sorrindo de lado. Sorrindo amarelo, João Almirante fechou a porta dizendo você é mais esperta do que eu, amiga.
Mas durante a noite do mesmo dia escutaria mais uma vez alguém cantando, e julgando-se decidido a descobrir quem era, voltou até o mesmo ponto do rio, onde mais uma vez não havia ninguém depois da curva. Xingou.
Cinco dias ouvindo a cantiga, vezes mais triste, mais vezes feliz, sempre a mesma voz de avelã, e João Almirante, sob o olhar reprovador da gaivota em sua janela, apaixonou-se por alguém que apenas imaginava, repetindo assim no alto de sua cela um ritual mais antigo que o farol onde morava, e este estava lá desde quase a descoberta do mundo novo. Os poemas de seu antecessor desconhecido, que João Almirante vez ou outra passava para um caderno mais recente, batucavam em sua cabeça, e ele os repetia para o rio em longas caminhadas olhando para a água (enquanto a gaivota, recebendo seu eterno biscoito, dizia alegre e chocarreira: João Almirante, mais parvo que a estante):


A minha angústia é tanta, e entanto tão serena
Que quando na memória teu rosto fulgura,
Entrelaçada à minha crônica amargura
Se faz presente um riso de alegria plena.

É tu que me sorris e o riso transfigura
A tua face suave em suave movimento,
E és como a rosa; ao lhe beijar o vento
Gentil da aurora, antes botão se abre em candura.

Este sorriso teu a minha angústia sara,
Meu tonto coração de bater tanto, pára.
E és como veneno que em dose alta cura.

Assim por ti, querida, bela, abençoada,
Minh'alma em mares de fulgor e trevas nada,
Por sob os quais teu nome, único, perdura.



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2 comentários:

Darshany L. disse...

"A minha angústia é tanta, e entanto tão serena
Que quando na memória teu rosto fulgura,
Entrelaçada à minha crônica amargura
Se faz presente um riso de alegria plena."

que lindooooooo

Unknown disse...

joão almirante... apaixonado por vozes de sereias que nunca se fazem vistas...

humm...

me parece apaixonado pelo futuro.
pela possibilidade.
algo como uma vontade...